USO DE OFFSETS
Capítulo 04
A regulamentação do SBCE pode permitir que uma parte das emissões de uma fonte regulada seja compensada com créditos de carbono de fontes não reguladas, os chamados offsets ou mecanismos de compensação
O capítulo 3 sugere a adoção de um limite de emissão de carbono na qual seja obrigatória a participação das indústrias no Sistema Brasileiro de Comércio de Emissões (SBCE). Outro aspecto abordado no capítulo anterior é a alocação gratuita de direitos de emissão para setores da economia que são mais expostos ao risco de vazamento de emissões.
O capítulo 4 vai abordar o uso de créditos de carbono gerados por setores não regulados pelo SBCE para compensação de emissões (offset) das instalações reguladas pelo sistema. Conceito surgido a partir do Protocolo de Quito, em 1997, crédito de carbono é um certificado que atesta e reconhece a redução de emissões de gases do efeito estufa (GEE), responsáveis pelo aquecimento global. A cada tonelada não emitida, gerase um crédito de carbono.
Como já descrito anteriormente, em um sistema de comércio de emissões, a quantidade de direitos oferecida pelo regulador ao mercado é restringida a uma estimativa da emissão daquele ano menos um fator de redução.
O regulador decide, primeiramente, uma proporção dessa quantidade restringida a ser alocada gratuitamente, e o restante é vendido em leilões.
Além de comercializar esses direitos com o regulador, uma fonte regulada pode comprar direitos de outra.
A instalação regulada precisa anualmente conciliar suas emissões com o equivalente em direitos de emissão. É possível também que a regulamentação permita que uma parte das emissões de uma fonte regulada seja compensada com créditos de carbono de fontes não reguladas, ou seja, com os chamados offsets ou mecanismos de compensação. Esse artifício pode funcionar também como uma forma de atrair a esse mercado esses setores não regulados, ajudando a incentivar, por exemplo, atividades de reflorestamento.
Para evitar que os preços do carbono se reduzam demasiadamente, prejudicando o incentivo à descarbonização dos setores regulados e à inovação tecnológica setorial, a maior parte das jurisdições introduz limites ao uso de offsets por ente regulado e, às vezes, também no total agregado.
Fontes de offsets
Em cada país, as fontes de offsets variam. Elas vão desde opções florestais e agropecuárias até geração de biogás de resíduos sólidos e saneamento, porém, em todos os casos, são créditos originados dentro da jurisdição. Offsets gerados internacionalmente valeram para o Mecanismo de Desenvolvimento Limpo (MDL) e Implantação Conjunta (Joint Implementation – JI) no Sistema de Comércio de Emissões da União Europeia (EU ETS) somente até 2020.
O regulador também exige regras que garantam a fungibilidade (troca) desses créditos de offsets com os direitos de emissão gerados no sistema de comércio. Por isso, tais créditos são validados e verificados de acordo com protocolos estabelecidos pelo próprio sistema de comércio, que também credencia certificadoras aptas à adoção e emissão de certificados.
Essas medidas garantem que as reduções de emissões compensadas sejam equivalentes às das fontes reguladas, garantindo que a meta agregada do mercado seja mantida e assegurando a adicionalidade dos créditos de offsets. Geralmente, o sistema de registro de emissões inclui também procedimentos para o registro de offsets.
EXPERIÊNCIA INTERNACIONAL
A experiência internacional, apresentada na Tabela 1, descreve o uso de offsets nos sistemas de comércio de emissões da União Europeia (EU ETS), Califórnia, Coreia do Sul e México¹. O EU ETS é o sistema maior e mais antigo. Em seguida, em termos de cobertura de emissões, vem o da
California Cap&Trade Program. O da Coreia do Sul é o maior da Ásia, assim como o do México é pioneiro na América Latina.
¹ Para mais detalhes ver ICAP (2020), PMR (2019), ADB (2018) e CARB (2013).
Alocação gratuita dos direitos de emissão
Dessa forma, como amplamente reportado nas resenhas mundiais de precificação de carbono3, o mecanismo de proteção à competitividade que mais tem sido adotado é a alocação gratuita de direitos de emissão (ver Tabela 1). Na maioria dos setores, há uma parte alocada gratuitamente e outra comprada em leilões. Ao final de cada período, cada fonte regulada precisa conciliar o total emitido com o total de direitos de emissão gratuitos e comprados ₄.
A gratuidade também é uma forma de, progressivamente, gerar aprendizado para regulados e reguladores, ajustar custos de regulação, corrigindo imperfeições, e construir apoio público para o mecanismo.
União Europeia
No EU ETS, desde a Fase 2, foi autorizado o uso de offsets internacionais de MDL (CERs) e JI (ERUs), emitidos após 2012, limitados a um total agregado em 50% das reduções agregadas ou até 11% da alocação gratuita da fonte ou, ainda, 4,5% das emissões das fontes não protegidas, o que for maior. Entretanto, havia restrições adicionais quanto a tipos de créditos, tais como, os de grandes hidrelétricas, HFC ou N₂O, uso do solo ou silvicultura (ICAP, 2020).
A partir de 2021, não há mais essa possibilidade de offset de MDL. Além disso, ainda não se decidiu como os créditos internacionais do Artigo 6 do Acordo de Paris serão aceitos nem quais serão as restrições, caso sejam adotados. E, a partir de 2012, emissões reduzidas por captura e estocagem associadas a fontes reguladas, como no setor de papel e celulose, servem como créditos para conciliação.
Califórnia
No California Cap&Trade Program, o limite de uso de offsets é por fonte regulada e varia ao longo do tempo: 8% até 2020; 4% de 2021 a 2025; e 6% de 2026 a 2030. A geração de offsets segue o Compliance Offset Program em seis protocolos: projetos florestais, de pecuária (gestão de metano), de substâncias destruidoras da camada de ozônio, de captura de metano de mina e de cultivo de arroz. Os créditos são certificados por entidades credenciadas. O volume de offsets dirigido ao mercado da Califórnia é maior do que o gerado em todo o mercado voluntário internacional.
Os protocolos e critérios do programa de offset da Califórnia foram desenvolvidos com consulta a especialistas e à sociedade civil, e contou com a ajuda de uma força-tarefa (Compliance Offsets Protocol Task-Force) composta por cientistas, especialistas em mercado de carbono, silvicultura e agricultura, gestores estaduais de manejo da qualidade do ar, representantes de tribos, entidades ambientais e da justiça ambiental, além de sindicatos trabalhistas (CARB, 2013).
Há também um esforço de focalização. Os protocolos favorecem benefícios ambientais diretamente à Califórnia, ao mesmo tempo em que priorizam comunidades desfavorecidas, terras indígenas ou tribais e regiões rurais e agrícolas. A partir de 2021, mais da metade do limite quantitativo tem de ser proveniente de projetos que proporcionem benefícios ambientais diretos ao estado.
Houve também uma iniciativa de usar offsets de florestas nativas, com o Tropical Forest Standard de 2019, mas ela não foi implantada ainda.
Coreia do Sul
Na Coreia do Sul, foi criado o programa Korea Offset Credits (KOC), que adotou 21 protocolos de MDL com simplificações, e outros 22 desenvolvidos domesticamente. O limite por fonte regulada é de 10%. As fontes de offsets são: troca de combustível, energia renovável, utilização de calor residual, melhoria de eficiência, biogás, gestão de água e fertilizante na agricultura, florestamento e/ou reflorestamento, restauração florestal e uso de produtos de madeira.
O KOC adota um processo semelhante ao do MDL, mas com simplificações na definição de linha de base e análise de barreiras e práticas comuns. O projeto de geração de créditos de offset precisa ser verificado por terceiros credenciados e, depois, enviado ao regulador para revisão e aprovação (ADB, 2018).
Créditos de MDL (RECs) gerados internacionalmente, a partir de 2014, por empresas coreanas podem ser usados até o limite de 5%, mas terão de ser revalidados à luz dos protocolos do KOC.
México
No México, o sistema de comércio, ainda na fase piloto, aceita créditos domésticos certificados por protocolos do mercado voluntário com limite de 10% por fonte regulada.
Atualmente, está em fase de desenvolvimento um sistema nacional de compensações com critérios para avaliação, revisão e aprovação de protocolos e diretrizes para verificação de resultados de mitigação com as seguintes atividades (PMR, 2019):
• Elaboração de regras e processos específicos para o reconhecimento dos créditos de compensação, e especificações sobre seu uso e comercialização no sistema de comércio de emissões;
• Definições técnicas dos processos (ciclo de vida do projeto) e critérios (elegibilidade, princípios, validação, etc) para revisão e avaliação dos protocolos existentes ou propostas de novos protocolos para os setores prioritários (silvicultura, agricultura, pecuária e transporte).
RECOMENDAÇÕES PARA O SBCE
Seguindo a experiência internacional, o uso de offsets no SBCE terá de definir limites, fontes e protocolos de validação e verificação.
Entretanto, a interação entre oferta e demanda de offsets no SBCE vai se diferenciar em termos de magnitude dos países analisados nas quais a matriz energética é mais intensa em fósseis e o desmatamento não é uma fonte relevante. Assim, nessas jurisdições, a participação relativa das emissões industriais é maior do que no Brasil.
A proposta para o SBCE prevê a cobertura das emissões industriais de combustão e de processos industriais que representam em torno de 10,5% das emissões do país. No entanto, a sua fase inicial será restrita às emissões advindas de combustão e somente nas fases seguintes entrariam as de produção de combustíveis e as de processos industriais. Por outro lado, as fontes de uso do solo e agropecuária, que podem ofertar offsets, representam, respectivamente, 63% e 19% das emissões nacionais.
Como se pode observar, a oferta de offsets é, muitas vezes, maior do que a demanda que adviria do SBCE, principalmente considerando que existirá um limite no uso destes. Essa peculiaridade deve ser considerada na regulamentação de uso de mecanismos de compensação no SBCE.
Limites de uso de offsets
Com base nas experiências internacionais e de acordo com a realidade nacional, acreditamos que um Sistema Brasileiro de Comércio de Emissões (SBCE) deveria, primeiramente, considerar um limite de uso de offsets maior do que a média internacional, por conta da importância do financiamento de opções florestais e agropecuárias para o alcance da contribuição nacionalmente determinada, a NDC brasileira, tal como já indicado no estudo do PMR Brasil (ver Quadro 1). Contudo, esse limite deve preservar o incentivo tecnológico nos setores do SBCE e, portanto, poderia ser de 15% a 20% (ver Quadro 1).
Quadro 1 – Uso de offsets no Projeto PMR Brasil
O uso de créditos de carbono para compensação de emissões (offsets) em sistemas regulados de precificação de carbono foi analisado pelo Projeto PMR Brasil em quase todos os seus componentes, o que demonstra a relevância desse dispositivo em território nacional. Tanto os estudos setoriais, quanto a modelagem econômica e a análise de impacto regulatório, englobando rodadas de consultas a atores chave, abordaram o tema de alguma forma.
Nos estudos setoriais, foram feitas análises acerca do percentual máximo indicado para conciliação de obrigações com offsets pelos agentes regulados, bem como do potencial e custo de geração de ativos de carbono de base florestal e sua aplicabilidade no sistema de comércio de emissões proposto. O setor florestal foi selecionado de forma exploratória, pela sua relevância no contexto nacional e seu possível papel primordial como ofertante no mercado, e não com o objetivo inicial de limitar a geração de offsets a esse setor em particular.
Quanto ao percentual, a partir de análises da experiência internacional e da conjuntura nacional, sugeriu-se inicialmente o limiar de 20%. A análise do setor florestal, por sua vez, calculou um enorme potencial de geração de ativos de carbono de base florestal a custos inferiores a US$
10,00 seja por florestamento/reflorestamento de nativas, pelo setor de florestas plantadas ou por desmatamento evitado.
Já na modelagem econômica, analisou-se o papel dos offsets nos impactos socioeconômicos estimados. Os resultados evidenciaram que offsets são cruciais na contenção dos custos de conformidade dos regulados, bem como um significativo potencial de geração de receitas para os provedores de offsets, o que poderia destravar uma série de investimentos na área. Com a grande oferta de offsets florestais a custos estáveis, o preço do carbono calculado ficou abaixo dos US$ 9,00 em 2030, o que facilitou a conciliação econômica dos agentes regulados.
Na análise de impacto regulatório e nas consultas a atores-chave, foram abordadas as seguintes perguntas: É oportuno aceitar offsets para conciliação em um SCE nacional? O limite de 20% está adequado? À primeira pergunta, a resposta foi um sonoro “sim”. À segunda, a maior parte das respostas obtidas também foi positiva. Percentuais entre 10% e 50% foram sugeridos por atoreschave, mas não houve nenhuma manifestação fortemente contrária ao limiar proposto.
Por fim, é importante indicar aspectos importantes que não foram abordados com a profundidade necessária, e ficam em aberto para estudos futuros. O primeiro são as fontes geradoras de offsets que seriam passíveis de aceitação no SCE nacional. Se, por um lado, a aceitação ampla favorece a eficiência do sistema, por outro, há risco de sobre oferta e a seleção cuidadosa de fontes pode favorecer as atividades com maiores cobenefícios. O segundo diz respeito aos processos de verificação e validação dos créditos gerados, de modo a garantir a credibilidade e integridade ambiental dos créditos aceitos no mercado doméstico.
Guido Couto Penido Guimarães, Coordenador Técnico do PMR Brasil – 3º Workshop
Fontes e Protocolos
Na experiência internacional todas as fontes de compensação são aceitas, incluindo conservação e restauração florestal, reflorestamento e carbono de solo agrícola. Enquanto essa diversidade identifica as possibilidades de maior custo-efetividade, existe a necessidade de protocolos para garantir a integridade climática dos créditos e sua fungibilidade com os direitos de emissão do SBCE. O desenvolvimento de tais protocolos pode se valer da vasta experiência com MDL e daqueles já adotados no mercado voluntário, mas com o devido ajuste, sempre que recomendado, a parâmetros definidos por institutos de pesquisa brasileiros (Embrapa, ESALQ, INPA, entre outros). E essa normatização deveria incluir, igualmente, regras para indicadores de cobenefícios sociais e ambientais.
Para as opções de conservação e restauração florestal, procedimentos para redução de risco de vazamento já existem no país e podem ser aperfeiçoados com o Cadastro Ambiental Rural (ver ANEXO A) e a Estratégia Nacional de REDD+ (ver ANEXO B). A longa e bem-sucedida experiência brasileira com florestas plantadas oferece igualmente uma fonte íntegra de compensação, inclusive com ganhos de recuperação de floresta nativa (ver ANEXOC). Outra opção promissora, mas ainda pouco explorada no país, são as oportunidades de redução das emissões na agropecuária, embora seu sistema de monitoramento e verificação ainda esteja em fase inicial.
(ver ANEXO D).
Dada a enorme magnitude dos créditos de MDL gerados por entidades brasileiras, o que inclui fontes associadas à gestão de resíduos sólidos e tratamento de efluentes domésticos, podem ser considerados como offsets no SBCE um limite menor, tal como na Coreia do Sul.
Focalização
Mesmo com limites mais generosos e critérios rigorosos de qualidade, dada a magnitude da oferta, é possível prever que o preço do offset seja muito baixo e atraente somente para opções de baixa adicionalidade financeira. Embora essa tendência favoreça a redução do custo de cumprimento das fontes reguladas, pode não canalizar recursos de offsets para setores com maior vulnerabilidade financeira que podem exibir maior impacto social e/ou ambiental. Por isso, recomenda-se o foco em requisitos ambientais e sociais, seja por espacialização, de acordo com as especificidades de cada região, ou característica do agente econômico, na geração de créditos em cada fonte de offset.
Dessa forma, seria possível maximizar não só os ganhos climáticos, mas também ganhos sociais e ambientais com o uso de offsets. Não se trata somente de atender a critérios ambientais na certificação, mas de priorizar a oferta de partes do território ou da cadeia produtiva que mais se beneficiariam dos recursos da comercialização de offsets.
A última recomendação seria a criação, à semelhança do que ocorreu no mercado da Califórnia, de uma força-tarefa em conjunto com a academia, regulados, representantes das fontes de offset e representantes da sociedade civil para o desenvolvimento da oferta de offsets no SBCE. Essa força-tarefa teria duas principais atribuições: (i) desenvolver os protocolos acima discutidos para cada fonte de offsets e (ii) sugerir critérios de focalização a serem adotados na demanda por offsets no SBCE.
REFERÊNCIAS
ASIAN DEVELOPMENT BANK (ADB). The Korea Emissions Trading Scheme Challenges and Emerging Opportunities, Manila, novembro 2018. Disponível em: https://www.adb.org/sites/default/files/publication/469821/korea-emissions-trading-scheme.pdf
CALIFORNIA AIR RESOURCES BOARD (CARB). California Air Resources Board’s Process for the Review and Approval of Compliance Offset Protocols in Support of the Cap-and-Trade Regulation, California, maio 2013. Disponível em: https://ww2.arb.ca.gov/sites/default/files/classic//cc/capandtrade/compliance-offset-protocol-process.pdf
INTERNATIONAL CARBON ACTION PARTNERSHIP. Emissions Trading Worldwide: Status Report 2020.Berlin: ICAP, 2020.
PMR MEXICO PMR. Project Implementation Status Report, ISR 02 COVERING PERIOD 10/2019 09/2020, Partnership for Market Readiness, The World Bank, Washington, 2019
ANEXO A
Potencial de geração de créditos de carbono (offsets) por meio de ativos florestais para o mercado doméstico de emissões de gases de efeito estufa no Brasil
Por Raoni Rajão, Felipe Nunes e Britaldo Soares-Filho, Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG)
A Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), em parceria com a WayCarbon, estimou o potencial de geração de créditos de carbono e outros ativos florestais (offsets), incluindo seus custos adicionais de geração e manutenção, para o Projeto PMR Brasil, por imóvel rural.
O estudo realizou uma modelagem compatível com a metodologia da Terceira Comunicação Nacional (TCN), e com a abordagem Land Based, recomendada pelo Painel Intergovernamental de Mudança do Clima (IPCC). Foram utilizadas informações geoespacializadas disponíveis, com destaque para a base de imóveis rurais do Sistema de Cadastro Ambiental Rural (SICAR), após tratamento das sobreposições, os mapas de uso da terra para mensuração de Gases de Efeito Estufa (GEE) e a análise de cumprimento do código florestal. Para a simulação do uso e mudanças de uso da terra, os cálculos foram realizados para cada célula de resolução de 500 por 500 metros, utilizando a plataforma Otimizagro, com cenários de mitigação de GEE. Esses cenários consideraram as metas de expansão agrícola, de recomposição da vegetação nativa prevista no código florestal e no Plano Nacional de Recuperação da Vegetação Nativa (PLANAVEG), de redução de desmatamento do Plano Nacional sobre Mudança do Clima (PNMC) e estratégias de baixo carbono do Plano Agricultura de Baixo Carbono (Plano ABC).
A simulação, considerando essas metas, juntamente com o cálculo dos passivos e ativos ambientais dos imóveis rurais georreferenciados no SICAR, permitiu estimar curvas potenciais de oferta de ativos florestais para todo o território brasileiro. Para tal, foram desenvolvidos (e integrados) modelos de simulação espacialmente explícitos e projeções econômicas visando a quantificar o potencial de geração de créditos de carbono a partir de: 1) remoção de GEE resultante da recuperação da vegetação nativa para fins de cumprimento do Código Florestal, 2) remoção de GEE por florestas plantadas para fins comerciais (eucalipto e pinus) e 3) redução das emissões de GEE ao evitar o desmatamento de áreas passíveis de serem suprimidas legalmente a partir da emissão de Cotas de Reserva Ambiental. As estimativas representam o custo adicional, em Real, necessário para abater uma dada quantidade de GEE em tCO2e.
Os resultados demonstram que o Brasil possui um enorme potencial para a geração de créditos de carbono florestal. As florestas plantadas podem ter um papel importante seja na compensação das emissões nos setores produtores e consumidores de madeira, seja no fornecimento para outros setores. A expansão da silvicultura poderia compensar cerca de 35% das emissões dos setores que consomem esse tipo de matéria prima (ex: ferro-gusa e aço, ferroligas, papel e celulose e madeira). Contudo, com o passar dos anos, o distanciamento entre as curvas reduziria o potencial de compensação para 23% em 2030. Tais abatimentos somariam 880 MtCO2e no mesmo período, removendo em média 28 MtCO2e anualmente.
A geração de unidades de remoção a partir da restauração florestal se configura como uma alternativa viável, tanto em termos de escala quanto de custo. Caso o país alcance sua meta no setor, o potencial total chega a 2,4 gigatoneladas de dióxido de carbono equivalente (GtCO2e) no período 2012 a 2050. Porém, para remoções acima de 2 GtCO2e, os valores de abatimento crescem exponencialmente. Por outro lado, ao considerar uma faixa de até 500 milhões de toneladas de dióxido de carbono equivalente (MtCO2e), é possível gerar remoções entre R$20,00 e R$30,00 por tCO2e, excluindo e incluindo os custos de oportunidade, respectivamente.
Anualmente, estima-se que o potencial de remoções alcance 64 MtCO2e. Resultados para um cenário de forte governança, de menor risco de desmatamento, gera o maior potencial de abatimento, atingindo 2,2 GtCO2e em um cenário de forte governança e 7,9 GtCO2e em um cenário de fraca governança, o que permitiria compensar anualmente entre 28 e 59 MtCO2ecom um custo marginal de até R$35,00. A maior parte do potencial estimado, tanto de desmatamento evitado quanto de restauração florestal, concentra-se no bioma Amazônia, onde há maior estoque de biomassa com menor valor da terra em comparação aos outros biomas.
Em suma, o uso de compensações com créditos florestais no Brasil pode trazer benefícios estratégicos para um SBCE. Para garantir os incentivos para descarbonização e adoção de tecnologias de baixo carbono nos setores regulados pelo SBCE, é importante impor limites à entrada de créditos florestais. E para garantir os benefícios florestais, há de se desenhar, de modo cuidadoso, os mecanismos para garantir adicionalidade e uma distribuição custo-efetiva dos recursos.
ANEXO B
COMO O SISTEMA BRASILEIRO DE COMÉRCIO DE EMISSÕES (SBCE) PODE POTENCIALIZAR INVESTIMENTOS EM CONSERVAÇÃO E REDUZIR O DESMATAMENTO DA AMAZÔNIA?
Por Pedro Soares, Gerente de Mudanças Climáticas e Serviços Ambientais no IDESAM
O Brasil emitiu, em 2019, 2,1 GtCO2e, sendo que 44% dessas emissões foram decorrentes do desmatamento e 28%, da agropecuária (SEEG,2020).
Logo, é evidente que as maiores oportunidades para reduzir emissões no país estão nas atividades voltadas à redução do desmatamento e à conservação florestal, à recuperação e restauração florestal e ao fomento de boas práticas agropecuárias.
A associação de um sistema doméstico de precificação de carbono, com incentivos econômicos para a conservação das florestas e redução do desmatamento, poderá representar uma grande oportunidade para empresas adotarem metas ambiciosas de redução de emissões, contribuírem com a redução do desmatamento e fomentarem boas práticas agropecuárias.
A discussão sobre os desafios e as oportunidades relacionadas à integração de resultados verificados de redução do desmatamento na Amazônia (por meio de offsets), com metas obrigatórias de redução de emissões de GEEs, tem gerado intensos debates nos últimos anos. De forma resumida, os principais pontos de discussão são:
• Capacidade do país de monitorar o desmatamento na Amazônia.
Nos últimos anos, o Brasil avançou enormemente com o desenvolvimento de sistemas e tecnologias de monitoramento de desmatamento e uso da terra, como os sistemas PRODES, DETER, SAD, MapBiomas, entre outros. Atualmente, o Brasil é o país com a melhor capacidade instalada para monitoramento do desmatamento e de mudanças no uso da terra, principalmente na Amazônia (ver, por exemplo, A Estratégia Operacional REDD+ de Rondônia).
• As florestas podem ser desmatadas, ou pegar fogo (risco de não-permanência).
A criação de uma reserva técnica para cobrir potenciais reversões em âmbito nacional, abastecida por uma porcentagem dos créditos gerados por iniciativas que visam a conservar as florestas e a reduzir o desmatamento, poderia representar uma alternativa simples e efetiva para superar o risco de não-permanência.
• Offsets florestais podem gerar uma superoferta de créditos, interferindo na eficiência do sistema e atrasando a “descarbonização” da economia.
Definir um limite para a utilização de offsets florestais dentro do sistema doméstico de comércio de emissões, de modo a não afetar bruscamente a relação de preços de outras opções de mitigação nem desincentivar a adoção de medidas de redução de emissões pelos setores regulados.
Para uma governança da qualidade dos offsets florestais e a integração dos resultados de iniciativas de redução do desmatamento e conservação florestal com o SBCE, sugere-se:
(i) Definição de mecanismos e procedimentos de aprovação e validação dos offsets florestais.
Além disso, o regulador do sistema poderá estabelecer mecanismos adicionais para controle de qualidade das iniciativas, como, por exemplo, por meio do reconhecimento de sistemas de certificação socioambiental que atestem as boas práticas das iniciativas quanto ao atendimento às salvaguardas socioambientais, incluindo processos de consulta, de consentimento livre, prévio e informado e de mecanismos de transparência e reporte de resultados e impactos gerados pelas atividades do projeto.
(ii) Reconhecimento do modelo de “alocação” de resultados de REDD+, já aprovado pela Comissão Nacional de REDD+ (Conaredd), que permite definir os limites de captação para REDD+ entre diferentes níveis de gestão e implantação de atividades com resultados verificados, eliminando riscos de dupla-contabilidade, não-permanência e vazamentos.
(iii) Estabelecer mecanismos adicionais para controle de qualidade das iniciativas, como, por exemplo, por meio do reconhecimento de sistemas de certificação socioambiental que atestem as boas práticas das iniciativas quanto ao atendimento às salvaguardas socioambientais, incluindo processos de consulta, de consentimento livre, prévio e informado e de mecanismos de transparência e reporte de resultados e impactos gerados pelas atividades do projeto.
ANEXO C
OFFSETS AGROFLORESTAIS
Por Julio Natalense, Gerente Executivo de Iniciativas de Carbono na Suzano S.A.
As florestas cultivadas estão sempre integradas à paisagem com florestas nativas, através de áreas de proteção permanente, reserva legal, corredores ecológicos e atividades de restauração e conservação. Elas têm o potencial de implantação de projetos, com incentivos financeiros, em larga escala, com alto grau de profissionalismo e compromissos de longo prazo, trazendo cobenefícios sociais e ambientais significativos e adicionais para a região. Ao promover o reflorestamento de áreas anteriormente degradadas, as florestas cultivadas são incentivo à bioeconomia e facilitam a transição para um modelo de produção com menor uso de fontes fósseis. Florestas constituem um excelente mecanismo de captura de carbono, por meio de reflorestamento e restauração, e manutenção dos estoques de carbono, sendo complementado por atividades de manutenção e proteção da floresta e pelo combate ao desmatamento.
A criação de um mercado regulado de emissões no país é necessária como mecanismo para a redução de emissões de gases de efeito estufa, além da atenuação dos efeitos da mudança do clima. Por contar com um manejo florestal responsável, permite o aumento da aceitação e competitividade de produtos brasileiros no mercado internacional. Um futuro Sistema Brasileiro de Comércio de Emissões (SBCE) deve contemplar, em sua estrutura, o uso de offsets oriundos de projetos florestais, recurso tipicamente nacional. Como forma de promover a atividade florestal, podem-se considerar permissões de uso desses offsets em níveis superiores aos praticados em outros países, aumentando-se a porcentagem permitida nos setores regulados por um SBCE.
Além do uso de offsets, é fundamental que as remoções florestais geradas diretamente pelas atividades de reflorestamento e restauração, para fins de conservação, sejam consideradas para compensação no balanço de emissões de escopo 1 dos setores eventualmente regulados, ou seja, setores que contemplem florestas em suas atividades (por exemplo, papel e celulose, energia de biomassa, entre outros). Há casos em que pode haver um balanço positivo ou neutro, mesmo sem o uso de offsets. O país precisará exercer liderança nesse tópico, considerando as características positivas da estruturação de sua economia.
Para garantir a alta qualidade dos projetos e dos créditos gerados, um mecanismo de mercado deve utilizar metodologias e protocolos que garantam medição adequada, adicionalidade, qualidade e integridade dos créditos gerados. É importante que se contemplem os mecanismos oficiais e voluntários já existentes, a fim de manter a credibilidade em nível global, e que se valorizem os avanços alcançados em negociações multilaterais. Garantido o rigor, devemse simplificar os processos de caracterização e monitoramento/verificação, com o uso de digitalização, processamento de imagens e construção/enriquecimento de bancos de dados. Isso reduzirá o tempo, a complexidade e, potencialmente, o custo da certificação, com aumento de transparência ao comprador do crédito.
O Brasil tem uma aptidão natural para o setor florestal, e a inclusão de offsets florestais em um sistema de comércio de emissões contribuirá para a conciliação de emissões nos setores regulados e para a criação de valor no setor florestal, trazendo mais recursos para a recuperação, conservação e expansão florestal.
ANEXO D
O AGRO É PARTE DAS SOLUÇÕES DE MUDANÇAS CLIMÁTICAS, DESDE QUE BEM-FEITO.
Por Eduardo Bastos, Diretor de Sustentabilidade da Bayer para América Latina
Com uma população global crescendo 25% e um consumo de alimentos, notadamente proteínas, em mais de 50%, a humanidade precisa entender que existe um caminho mais sustentável para produção, através de uma intensificação na produção, focada mais em aumento de produtividade (alimentos por área) do que focado em expansão (conversão de área). Que o agro crescerá, não há dúvida; o ponto é como o fará e quais os mecanismos que ajudarão para que isso aconteça com impactos positivos ao planeta.
Quando pensamos na contribuição do agro para a agenda de offsets boa parte das soluções estão já desenvolvidas, como plantio direto na palha, rotação de culturas, sistemas integrados, fixação biológica de nitrogênio e recuperação de áreas degradadas, entre outras soluções.
Ao pensar em compensação, sabemos que existe uma pressão enorme em conversão de ecossistemas nativos em agricultura, notadamente em áreas de fronteira. Apenas na região Amazônica do Brasil, temos algo em torno de 5 giga toneladas de potencial de emissões, são 20 milhões de hectares, com cerca de 250 toneladas estocadas por hectare, passíveis de desmatamento legal. Essa área está, em grande parte, nas mãos de produtores que, sem o devido incentivo, poderão converter parte das matas em áreas agrícolas. Esse apoio para a não conversão poderá vir de incentivos financeiros e que devem ser acompanhados, sempre que possível, de assistência técnica, já que, uma parte destes produtores está distante do mercado formal, tanto para aquisição de insumos e tecnologias quanto para venda de seus produtos.
Como uma das empresas líder na área de insumos agrícolas e uma empresa de atuação global, a Bayer tem um compromisso de zerar suas emissões até 2030 (somos signatários do Science Based Targets Initiative) e temos três grandes compromissos globais na divisão CropSciences: 1) Reduzir em 30% as emissões de GEE no agro global; 2) Reduzir em 30% nosso impacto ambiental e 3) Melhorar a vida de 100 milhões de pequenos agricultores (agricultores familiares) no mundo.
Adicionalmente vemos no agro um desafio grande de escala na implementação de Medição, Reporte e Verificação (MRV) – a maioria das soluções disponíveis são muito custosas e isso tem deixado o setor à margem do mercado de carbono global. Um dos avanços da Bayer, em parceria com Embrapa e outros parceiros, públicos e privados, é buscar uma solução escalável, de baixo custo, “tropicalizada” e aceita pelo mercado e pela ciência. Não temos dúvidas que as tecnologias digitais, como Climate Field View, serão parte importante desta solução, trazendo não só uma redução de custos de transação, mas a transparência que este setor tanto precisa.
Adicionalmente à agenda de carbono, temos trabalhado em uma agregação de serviços ao produtor, de maneira que o carbono capturado por ele possa ser um agente promotor de mudanças, que vão desde uma melhor gestão dos recursos naturais (notadamente solo e mata nativa), aumento da produtividade sem um aumento proporcional nos custos, melhor acesso à serviços financeiros (como taxas mais atrativas, bônus verde, seguros mais baratos) e uma maior conexão com mercado, potencialmente produzindo alimentos, fibras e energia cada vez de mais baixo carbono ou carbono neutro. Temos visto várias empresas de distintos setores engajadas nesta agenda de transição.
Não há dúvida que o desafio é imenso, será preciso priorizar os escassos recursos. Isso não significará o abandono de outras soluções, apenas de escalonar a implementação delas. Precisaremos de um mercado nacional robusto, que ajude a dar liquidez nas transações e com isso, trazer mais e mais produtores à agenda de transição para uma economia realmente de baixo carbono.
Proposta de Marco Regulatório para o Mercado de Carbono Brasileiro – CEBDS